segunda-feira, 11 de março de 2013

O reporter que sonhar em ser delegado

09/03/2013 00:25 - sábado, 09 de março de 2013. l COMPUTADOR DO RODRIGO NETO ESTÁ VAZIO DEPOIS DE SUA MORTE Antes de sair para sua última noite de descanso, após um dia de muitas ocupações, Rodrigo Neto revelou que continuaria tentando alcançar a carreira policial Janete Araújo REPÓRTER IPATINGA – Com apenas uma semana de trabalho como novo editor de polícia do jornal VALE DO AÇO, cargo para o qual foi muito recomendado graças à sua competência profissional, Rodrigo Neto, ainda um dos apresentadores do programa ‘Plantão Policial’ da Rádio Vanguarda, cativou a todos os colegas de redação. Educado, prestativo e gentil, redigia com rapidez os textos sob sua responsabilidade. Contudo, em seu último dia de trabalho no jornal, demorou-se mais do que o normal, explicando que também estava envolvido numa mudança de casa. Saiu de um endereço para outro no bairro Cidade Nobre, o que lhe tomou parte do tempo, dividido sobretudo com a elaboração de mais uma matéria bombástica: a extensão do golpe dos ‘chupa-cabras’ nos caixas eletrônicos dos bancos da região. A jornada do repórter terminou por volta de 20h30, quando entregou sua chamada de capa ao editor e que acabou virando manchete da edição. Mais relaxado, ele e o editor-chefe Luiz Carlos Kadyll conversaram por cerca de 40 minutos, sobre assuntos de toda ordem. Na ocasião, ele voltou a falar de sua obstinação em tornar-se delegado, o que vinha perseguindo há quatro anos, tendo viajado longas distâncias para provas de concurso. Esteve até no Pará e Maranhão, além do Espírito Santo. Contou o preço alto pago para participar dos testes, que lhe exigiram muito esforço físico e também financeiro. As despesas, geralmente, eram divididas com outros colegas atrás do mesmo objetivo. Disse que chegou a passar em duas etapas num dos testes, mas elas chegam a dez e sempre são muito concorridas, daí a dificuldade. Apesar disso, não pensava em desistir. Janete Araújo Luiz Carlos Kadyll: “A obstinação dele em alcançar a carreira de delegado me impressionou muito” Rodrigo e o editor deixaram a redação praticamente juntos, pouco depois das 21h. O editor ainda brincou: “Por que você não dorme aí? Na sua casa já tem ar-condicionado com paletas deslizantes, internet banda larga?” E ele: “Pior é que não... mas preciso mesmo ir”. A surpreendente morte do repórter seria informada num telefonema ao editor, feito por um fotógrafo-colaborador do jornal, por volta dos 40 minutos da madrugada desta sexta. Mas o aparelho celular dele estava sem carga e só pela manhã se deu conta da ligação, dando retorno a ela. O fato chocou a todos que trabalham no meio da imprensa do Vale do Aço, por se tratar de um profissional respeitado e íntegro dentro daquilo que fazia. Em 2011, Rodrigo Neto teria entrado com uma representação na 6ª Promotoria de Justiça de Ipatinga, informando que estaria sendo vítima de ameaças contra a sua vida. Mas a secretária do promotor Bruno Cesar Medeiros Jardini, responsável pela pasta, não confirmou a informação, dizendo estar ele viajando. Um dos irmãos de Rodrigo é Cabo PM e ele ficou bastante atordoado com a notícia, acompanhando checagens feitas em um notebook que carregava. Anna Sylvia Rodrigues: “Cabe agora a nós jornalistas nos empenharmos para cobrar e que os assassinos sejam punidos” A jornalista do Diário Popular, Anna Sylvia Rodrigues, prestou o seguinte depoimento: “Conheço o Rodrigo Neto há cerca de dez anos, desde quando veio de Caratinga para Ipatinga. Trabalhei com ele em várias ocasiões. Um exemplo de pessoa de caráter, amiga e trabalhadora, inconformado com injustiças. A busca incessante da verdade, falando do Rodrigo, não é mera retórica. Empenhou-se nos casos em que policiais foram suspeitos de cometer crimes, notadamente a Chacina de Belo Oriente. Lamentavelmente, se a impunidade é um dos problemas do sistema hoje, quando se trata de policiais acusados de crimes, chega a ser uma certeza. Ele não chegou a ver, infelizmente, a punição dos responsáveis na maioria das atrocidades que denunciou. Cabe agora a nós jornalistas nos empenharmos para cobrar da Polícia, do Ministério Público e da Justiça, que os assassinos sejam punidos”. Fernando Carlos Ataíde: “Perdemos um bom amigo e um ótimo profissional” O diretor Executivo da Rádio Vanguarda, Fernando Carlos Ataíde, relembra que conheceu Rodrigo em Sobrália: “Sou juiz de cavalo de marcha campolina e estava na cidade julgando um concurso. O Rodrigo era o locutor da festa. Na ocasião, me contou que era de Caratinga e tinha vontade de trabalhar em Ipatinga. Eu já dirigia a rádio e então o trouxe para trabalhar um tempo como free-lancer aqui. Em 16 de março de 2006 ele foi admitido formalmente dentro da empresa, já que ficou comprovado que ele era um profissional diferenciado. Não fazia distinção de classe social e sempre fazia promoções para ajudar pessoas que precisavam de cestas básicas. Também fazia uma parceria com a Defesa Civil da cidade. Fazia encaminhamentos jurídicos para muitas pessoas que precisavam e depois continuava acompanhando os casos. Perdemos um bom amigo e um ótimo profissional”, salienta. A busca pela verdade Carioca: “Ele estava sempre fazendo campanha para angariar cestas básicas para ajudar alguém” Adair Alves da Rocha, o “Carioca”, é o apresentador do Plantão Policial desde a sua criação em 1990, na Rádio Vanguarda, e relata que Rodrigo Neto cuidava das reportagens, enquanto ele ancorava o programa. Depois os dois criaram uma parceria na apresentação: “Ele me dava suporte. Tinha um quadro dentro do programa de crimes sem solução, chamado ‘O tempo não apagou”, que ele fazia. Ele era um profissional dedicado, esforçado, que corria atrás da informação correta. O fato de ser formado em Direito ajudava muito, pois ele conhecia a lei e sempre passava orientações para algum ouvinte que ligava na hora do programa com dúvidas. Às vezes, no ar fazia alguns comentários baseados no que diz a lei sobre o caso em questão. Mas ele não se gabava daquilo que sabia. E era muito emotivo, estava sempre fazendo campanha para angariar cestas básicas para ajudar alguém. Costumava tirar do próprio bolso para auxiliar alguma família que necessitasse”, conta o ex-colega. Bem-humorado Luiz Carlos Videira: “Rodrigo sempre se mantinha do lado da verdade” Luiz Carlos Videira é locutor esportivo e operador de áudio da Rádio Vanguarda e conta que Rodrigo Neto era um ser humano ímpar, respeitado por todos dentro da empresa: “Ele se entrosava e brincava, estava sempre alegre e de bom humor. Mas era sério quando o assunto exigia. Quando trazia uma matéria bombástica, em ‘off’ ele comentava sua opinião com os operadores e sustentava-a quando estava no ar. Por isso passava credibilidade e se mantinha sempre do lado da verdade. Não gostava de rodinhas e tinha um tratamento respeitoso com todos os funcionários. Passava o número de celular para muitas pessoas que vinham na porta da rádio ou ligavam procurando por ele em busca de ajuda”, destaca o operador. O sonho de ser delegado Jota Pinheiro: “Falávamos a mesma língua. Para ele não tinha tempo ruim” Jota Pinheiro é locutor da Rádio Vanguarda e conta que conheceu Rodrigo Neto muito antes dele ir trabalhar na empresa, numa rodinha de happy hour. Depois que se tornaram colegas, a amizade cresceu e passaram a almoçar juntos quase todos os dias: “Ora eu pagava, ora ele é quem pagava. Falávamos a mesma língua. Para ele não tinha tempo ruim. Se ele tinha uma conta para pagar e alguém precisava de dinheiro emprestado, ele emprestava. Nestes últimos dias ele estava feliz porque tinha se mudado para uma casa nova com um espaço grande para o filho brincar e garagem espaçosa para dois carros. Planejava fazer um churrasco para comemorar. Mas o grande sonho dele mesmo era se tornar delegado. Ele até emprestou algumas apostilas para a minha filha. Fez vários concursos ao longo dos últimos quatro anos. Sempre focado, assim que ele sabia que havia um concurso juntava um dinheirinho e viajava para fazer a prova. Era uma área que ele conhecia bem”, recorda o amigo. Rodrigo Neto de Faria, nascido em Caratinga em 03/10/1974, era casado com Beatriz, com quem tinha um filho de seis anos, Arthur, e morava em uma casa alugada no bairro Cidade Nobre, na rua Assis Chateaubriand. Mudou-se para lá no mesmo dia de sua morte. Já havia trabalhado também como repórter nos jornais Diário do Aço e Diário Popular, Rádio Itatiaia e como assessor de imprensa da Prefeitura de Ipatinga.

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